quarta-feira, 30 de maio de 2012

O medo de admirar o mundo


Em uma caminhada por alguns trechos da cidade observava o mundo. As pessoas, os carros, os cachorros, as ruas, as casas, o som.

Enquanto um vem, outro vai, outros conversam e o capitalismo move gente, meus olhos descasavam.

Subo a Rua Belo Horizonte para calmamente observar as casas que há 11 anos eram partes cotidianas do meu universo, na época, juvenil punk sonhador.

Saudade de um tempo fantasioso. Saudade dos álbuns do Sepultura, Ramones, Queen, todos emprestados pelo Diegão. Saudade do rock nacional que ouvia em volume máximo dos Titãs, Ira, Legião e para suavizar a boa vizinhança, Paralamas e Skank.

Saudade da vizinha velhinha que morava na casa de baixo. Saudade dos xingos da velhinha no Padre Mário na rádio Difusora no jornal que não lembro o nome. Era de calar a boca para cima quando ela perdia a paciência com a falação do Padre. Saudade da comunicação do Padre Mário.

Já quase no final da rua, uma garota vestida de bom humor sai cantando do lar. Avista uma velhinha com rosto de paz. Brinca com a velhinha. Pega na mão narrada pelo tempo e a deixa tão jovem quanto ela. Dá vida correta à velhinha que certamente rasga o dia olhando da janela desgastada de sua residência para encontrar um oi, um sorriso ou a glória de um aperto de mão.

Atitude tão digna que atrai minha compaixão ferida. Queria chegar perto e tocar na mão da velhinha também, mas confesso que a ignorância me venceu outra vez. Queria ficar olhando a cena, mas, o medo de achar que a garota que carinhosamente tocava a mão da velhinha fosse me recriminar, me venceu.

Acostumamos tanto em sermos cretinos, que quando admiramos a humanidade, já logo pensamos que o outro lado irá pensar em nossa hipocrisia.

O comum de fechar os olhos e chutar os sentidos das coisas simples nos inibe quando enxergamos a decência e o respeito por um ato gentil.

E foi o que senti. Por medo de achar que a garota fosse me recriminar por estar olhando a cena, decidi dar as costas. Imaginei que ela fosse pensar que estaria zombando, achando feia sua atitude, já que o mundo faz pensar assim.

A canalhice humana é tão graúda que soca o bem, inibe de se fazer o justo, o decente. Faz preocupar com o incorreto, com o julgamento. E mesmo na admiração por algum ato de bondade ao espírito, o incorreto nos vence.

Então garota da Rua Belo Horizonte, em Carmo do Rio Claro, que saiu cantando de casa hoje, quarta-feira, 30 de maio de 2012, se esta crônica chegar até você saiba que aquele minúsculo ser raquítico e barbudo que olhava você e a velhinha da janela, não te zombava. A curiosidade era a inveja disfarçada de não ter conseguido fazer o mesmo.